A mensagem e o e-mail
podem esperar meia hora. No momento de comer, a atenção deve ser dedicada
exclusivamente às crianças
Num
restaurante japonês na zona oeste de São Paulo, mãe e filha sentam-se à mesa. A
mãe conversa pelo celular. A filha, de não mais que 5 anos, espera
pacientemente para olhar o cardápio. Quinze minutos se passam e a ligação
telefônica não se encerra. A mulher pede, enquanto fala ao telefone, dois rodízios
– a criança, finalmente, tem com o que se entreter. Meia hora se passa e nada
acontece. Entre um hashi e outro, a garotinha finalmente desiste: supera sua
timidez e começa a vagar pelo restaurante buscando companhia para conversar.
Claro, sem se esquecer de voltar à mesa esporadicamente para pegar um sushi. E
a mãe? Continua no celular até pagar a conta, até sair do restaurante, até
chegar ao carro, até...
Essa situação, acredite, não é uma ficção. Ela foi
presenciada recentemente por uma repórter. E você já deve ter visto algo
parecido também. Esse hábito, cada vez mais corriqueiro nos dias de hoje,
motivou, inclusive, um estudo publicado no periódico científico Pediatrics
neste mês. Os cientistas da Universidade de Boston (EUA) observaram o
comportamento de 55 adultos que acompanhavam seus filhos em restaurantes de
fast food, na zona metropolitana da cidade. Desse grupo, 40 deles usaram o
celular durante a refeição e demonstraram focar atenção somente no aparelho. Os
pesquisadores optaram por não interagir com os frequentadores do restaurante já
que as famílias poderiam se sentir intimidadas e não apresentariam o
comportamento natural. Dentre as mesas analisadas, as crianças tinham de 0 a 10
anos - 54% delas em idade escolar. Já que não houve abordagem direta, os
cientistas estimaram a data de nascimento de cada uma a partir da altura e do
grau de desenvolvimento dela.
Mas por que devemos evitar o uso do smartphone
nesse momento? De acordo com a psicóloga Rita Calegari, do Hospital São Camilo
(SP), dar atenção às crianças é essencial para o crescimento infantil
saudável. Há quatro momentos no dia que especialmente requerem sua
dedicação aos filhos: durante a higiene (dar banho ou escovar os dentes),
brincadeiras, sono e... refeições. “A alimentação é a base do desenvolvimento
físico. Os pais não podem ser negligentes à mesa”, explica a especialista. Ou
seja: preocupar-se em oferecer um cardápio saudável é tão importante quanto dar
atenção às crianças. Vale lembrar que o almoço ou o jantar não cumpre
simplesmente a função de alimentar – são também ocasiões para confraternizar e
sociabilizar. Enquanto come, seu filho contará como foi o dia na escola, por
exemplo. E você pode relatar a ele algo divertido que tenha ocorrido durante o
expediente no trabalho. Essa troca de histórias trará lembranças para o futuro.
E mais: com a construção dessa intimidade e confiança ficará mais fácil você
saber quando algo não estiver bem com ele também.
No estudo,
a maior parte das crianças passou a se comportar mal diante da atitude relapsa
dos adultos. “Se elas estiverem acostumadas a conversar e, de repente, os pais
começam a usar o celular, farão de tudo para chamar atenção. Pode ser um
protesto atirando comida, por exemplo”, explica Calegari. Já entre as que veem
como padrão o fato de os adultos usarem o celular à mesa, o comportamento passa
a ser apático, menos explorador. A ausência de diálogo não estimula a
curiosidade delas. Sem contar que desviar o olhar do seu filho, principalmente
se ele for pequeno, pode representar um risco à saúde dele, como de engasgar
ou comer algo impróprio.
É claro que, se
estiver aguardando alguma ligação urgente, não haverá problema em atendê-la –
desde que seja uma exceção. Explique à criança o que está acontecendo, peça
licença e resolva o problema. Fora isso, aproveite a própria tecnologia a seu
favor. Em diversos aparelhos, você tem a possibilidade de programar na tela de
bloqueio de muitos aparelhos para ver o remetente da mensagem e o início do
texto, sem necessidade de manusear o celular para descobrir o assunto dos
comunicados.
De quebra, agindo assim vai ficar mais fácil seu filho entender
que a hora do almoço não é momento para ele brincar com os gadgets. Os
aparelhos podem ficar como alternativa para entretê-lo na espera da consulta ao
pediatra, dentista ou enquanto vocês aguardam o jantar chegar em um
restaurante. “A tecnologia pode fazer bem, se usada com bom senso. Mas nada
substitui a atenção”, reforça a psicóloga.
Fonte: Site Crescer